Por Daniel Rocha
Entre as décadas de 1980 e 1990, enquanto Teixeira de Freitas consolidava sua emancipação política e vivia um período de intenso crescimento urbano, os cartões-postais , aqueles clássicos retângulos de papelão que percorriam longas distâncias pelo correio sem envelope, assumiram um papel especial. Mais do que meras correspondências, tornaram-se reflexos de uma identidade em formação.
De um lado, continham espaço para selos, endereços e rápidas mensagens; do outro, estampavam imagens cuidadosamente selecionadas, não apenas retratando a paisagem urbana, mas também expressando a forma como a cidade desejava ser vista. Essa dualidade, entre o que se exibia e o que se ocultava, é o que buscamos explorar através da análise de dois cartões-postais emblemáticos da época.
No primeiro, da década de 1980, período em que Teixeira de Freitas ainda lutava pelo reconhecimento oficial como município, a imagem captura parte da Praça dos Leões, com a Igreja São Pedro ao fundo. A cena transmite um ambiente de ordem e tranquilidade: casas modestas, poucos carros e moradores circulando.
Ao centro, a igreja se destaca, remetendo ao modelo urbano europeu, onde as praças se estruturavam em torno do templo religioso, simbolizando civilização e progresso.
Essa representação não foi meramente acidental. Naquele período, Teixeira de Freitas carregava a fama de ser um povoado desorganizado, apesar de seu crescimento acelerado. O cartão-postal, ao destacar uma paisagem harmoniosa, buscava romper com essa percepção, apresentando a cidade como um espaço em desenvolvimento, pronto para ser reconhecido oficialmente como município.
Como ocorre em muitos registros urbanos, os cartões-postais atuavam na construção da percepção sobre o território. Ao escolher a área mais urbanizada como símbolo da cidade, acabavam por ignorar desafios como ruas de terra, infraestrutura precária e serviços públicos insuficientes. O belo era eternizado na imagem; as dificuldades, silenciadas.
Já na década de 1990, com a emancipação consolidada e o ritmo de urbanização intensificado, os cartões-postais passaram a refletir uma nova fase. Um dos exemplares mais marcantes, de 1994, vendido em bancas de revista e lojas de artesanato na antiga rodoviária, captura o cruzamento da Avenida Marechal Castelo Branco com a Rua Princesa Isabel.
A cena é vibrante: trânsito em movimento, semáforos, lojas e agências bancárias. O cartão agora transmitia uma mensagem evidente: uma cidade moderna, com economia pujante, acompanhando o ritmo do progresso e exibindo os primeiros sinais de verticalização.
No entanto, essa imagem também mascarava desigualdades. Enquanto o centro pulsava com movimento e progresso, bairros periféricos e espaços como a Praça da Bíblia ainda lidavam com a ausência de infraestrutura, deixando a população à mercê dos desafios diários causados pela falta de investimentos e atenção às suas necessidades.
Isso remete à observação do filósofo Walter Benjamin, que aponta como as imagens urbanas muitas vezes operam como “fantasias visuais”, promovendo uma ideia de progresso que, na prática, nem sempre reflete a realidade em sua totalidade e complexidade.
Em síntese, esses cartões-postais são mais do que registros nostálgicos; são documentos de uma narrativa. Eles revelam o que Teixeira de Freitas escolheu valorizar em cada época: a busca por legitimidade nos anos 1980 e a exibição de modernidade nos anos 1990.
Por fim, é essencial ressaltar que cada foto e cada enquadramento são um convite à interpretação—não apenas do que se revela, mas também do que se busca ocultar. Por trás das imagens cuidadosamente escolhidas dos antigos cartões-postais, permanece viva a ambição de consolidar a cidade como a metrópole do Extremo Sul da Bahia.
Referência
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 3º. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Obras Escolhidas, v. 1).
Daniel Rocha da Silva
Historiador graduado e pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.
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