Por Daniel Rocha
No Extremo Sul da Bahia, até meados do século XX, diversas transformações ocorreram com a abertura de novas estradas, o surgimento de pequenos núcleos urbanos e a migração de trabalhadores rurais para as cidades.
Foi a partir da década de 1950 que se consolidou a estrutura capitalista, impulsionando a exploração da madeira, o crescimento da agroindústria e a introdução da monocultura do eucalipto. Duas décadas depois, essa monocultura dominou economicamente a região, tradicionalmente produtora de commodities agrícolas como cacau, café, milho e mandioca.
Antes e durante esse processo, a raiz de mandioca era um dos principais cultivos da região. Em estruturas rústicas, conhecidos como tendas, produziam-se derivados como o beiju e a farinha de mandioca. Essa produção supria tanto o comércio local quanto o consumo das famílias rurais. A farinha era tão essencial que sua ausência era sinônimo de fome, como relatou Benedito Libânio, 72 anos, que viveu na Fazenda Caraípe durante a seca da década de 1950.
“Devido à falta de chuva, o Rio Itanhém parecia um córrego. Dava para pular de uma margem à outra. A gente comia carne com banana porque a seca prejudicou o cultivo da mandioca, e todo mundo ficou sem farinha.”
O aposentado Jair Nascimento, 74 anos, natural da Fazenda Nova América, onde morou até 1960, afirma que a farinha, cuja escassez era muito sentida, era a base de pratos tradicionais apreciados pelos moradores da zona rural de Teixeira de Freitas, uma cidade ainda em formação.
Ele conta que, assim como a farinha, o dendê, fruto do bioma atlântico, também tinha grande prestígio entre os moradores da fazenda, sendo um ingrediente essencial para o preparo de um prato típico que ele define como nativo: o bambá de dendê.
Na perspectiva de Jair, o bambá tem suas origens nas antigas comunidades negras da região, como as fazendas Santa Maria, Conceição, Japira, Araras e Nova América, onde ele nasceu e cresceu.
“A farofa bambá é coisa nativa da terra, coisa de gente da África, gente preta… Pode ver que não tinha dendê nas fazendas de gente branca, era mais comum entre os negros. Ainda hoje é assim, vá às fazendas antigas, como Canta Galo, Apaga Fogo, Arara, que você ainda vai encontrar o bambá. Lá ainda se faz farinha da boa.”
Jair Nascimento também lembra de outros pratos típicos feitos com farinha de mandioca, como o "pirão de água, pirão de leite, pirão de mulher parida, de peixe e de torresmo". Em seguida, descreve a receita do bambá:
“A receita do bambá é simples: basta esquentar a borra do dendê, o sedimento do azeite, em uma panela ou tacho. Depois, adiciona-se bastante coentro, cebola e sal. Por último, mistura-se a farinha de mandioca ao caldo quente de dendê até formar uma farofa amarela e saborosa, que pode ser servida com peixe ou carne de caça.”
Maria José da Silva, 86 anos, natural da Fazenda Arara e mãe de 12 filhos, destaca que o bambá era muito apreciado por adultos e crianças, e que a farinha de mandioca era essencial para o sustento das grandes famílias. “Uma saca era pouca por mês.”
Vale lembrar que os entrevistados são afrodescendentes, filhos de famílias que contribuíram para a formação de Teixeira de Freitas, uma cidade que, durante seu processo de formação, foi também chamada de Comercinho dos Pretos, Mandiocal e Tira-banha.
Mas o que aconteceu com o bambá? Por que ele não é mais comum nas mesas da cidade? Será que a popularidade das refeições prontas e padronizadas está afastando as gerações atuais da cozinha tradicional e das referências culturais do passado? Não seria o momento de preservar as tradições e expressões de vida herdadas da população rural do município? Qual a sua opinião sobre isso?
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