Por Daniel Rocha
No contexto da década de 1930 no Brasil, surge a pergunta: o que sabemos sobre a vida e as experiências dos homens e das mulheres nesse período? Como eram resolvidos os desentendimentos e as tensões em uma sociedade profundamente sexista? Certamente, a realidade não correspondia às nossas concepções imaginárias.
Um exemplo revelador é o caso de uma senhora que acabou presa sob a acusação de "agredir" um açougueiro no Rio de Janeiro, conforme narrado pelo jornal carioca O Paiz em janeiro de 1934.
De acordo com o periódico, a senhora Carmem Dias, casada com o proprietário de um açougue localizado em Madureira, na rua D. Clara descobriu que o funcionário do estabelecimento, Annibal Ribeiro, de 23 anos, estava difamando-a pelos arredores.
Segundo o jornal, em determinado dia, Annibal estava na porta de um botequim próximo ao açougue, quando a senhora o chamou e o confrontou, exigindo explicações sobre os boatos que ele espalhava.
Diante da repreensão, o rapaz tentou agredi-la com socos, mas D. Carmem, pegando um saco de vidros o atacou primeiro ferindo o rosto do açougueiro. Por essa razão, imediatamente após o incidente, um popular a conduziu à delegacia do 23º distrito, onde foi autuada por agressão.
Além dos eventos em si, o que essa narrativa nos revela nas entrelinhas? É possível identificar os valores presentes nas interações cotidianas e as tensões nas relações de gênero em uma época em que as mulheres começavam a se destacar e a conquistar alguns direitos historicamente negados, além de questionar tabus arraigados.
Por exemplo, em 1932, as mulheres obtiveram o direito ao voto e uma participação mais ativa na vida cívica, garantidos pela nova constituição eleitoral. Nessa mesma época, figuras como Patrícia Galvão, conhecida como Pagu, integrante do movimento modernista, também começaram a provocar discussões sobre o papel da mulher na sociedade.
No entanto, segundo a historiadora Mary Del Priore, que aborda a condição das mulheres operárias nesse período, elas ainda eram vistas como perigosas e indesejáveis pelos empregadores, perdidas e "degeneradas" pelos profissionais de medicina e direito, e frágeis e infelizes pelos jornalistas. No entanto, como evidencia a narrativa em questão, fora das fábricas, as mulheres também se mostravam ativas e resistentes diante de qualquer forma de violência e abuso.
Ao explorarmos essas nuances históricas, somos convidados a refletir sobre as relações de poder e resistência cotidianas que marcaram a década de 1930 no Brasil, bem como sobre os avanços e desafios enfrentados pelas mulheres em busca de sua emancipação e igualdade de direitos.
Por fim, é importante destacar que essa breve análise do caso da senhora Carmem Dias e das tensões de gênero na década de 1930 no Brasil não esgota todas as complexidades e nuances dessa época. Através de histórias individuais como essa, podemos vislumbrar fragmentos de uma realidade mais ampla, permeada por relações de poder e resistência que se estendiam para além das questões de gênero.
Através de estudos e pesquisas mais aprofundados, é possível explorar de forma mais abrangente as condições de vida e as lutas das mulheres nesse período, considerando não apenas as questões de gênero, mas também as interseccionalidades com raça, classe social e outras formas de opressão e marginalização.
Ao analisar a década de 1930 no Brasil, podemos perceber que as transformações sociais e culturais estavam em curso, impulsionadas por movimentos feministas, intelectuais, artistas e ativistas que buscavam romper com as estruturas patriarcais e reivindicar direitos e igualdade. Essas lutas e conquistas contribuíram para moldar as dinâmicas de gênero ao longo do tempo e abrir caminho para as transformações futuras.
Assim, ao refletirmos sobre o passado, podemos compreender melhor as raízes e os desafios presentes na busca por uma sociedade mais justa e igualitária, onde homens e mulheres possam viver livres de opressões e desigualdades baseadas no gênero.
Foto: Bairro de Madureira década de 1950. Fonte: Google Imagens: mariosergiohistoria.blogspot.com
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