TEIXEIRA DE FREITAS ANO 2000: UM “INDIGENTE” CONHECIDO
Por Daniel Rocha
A morte é denunciante de contextos, dramas e conflitos, e diz muito sobre o lugar onde ocorre. Como no caso registrado pelo extinto programa jornalístico “TV Verdade”, exibido pela emissora local TV Sul Bahia no ano 2000, que documentou a tentativa de sepultamento de um homem classificado como "indigente".
No final de outubro de 2000, semanas antes do Dia de Finados, o jornalista Getúlio Ubiratan, repórter e apresentador, foi ao Cemitério Jardim da Saudade para investigar denúncias de que o local estava “abandonado e com mau cheiro”. Lá, ele flagrou a tentativa de sepultamento de “um indigente” por três moradoras do bairro Bela Vista, que relataram as dificuldades para enterrar um conhecido sem identificação oficial.
Sem revelar o nome dos envolvidos, o repórter apurou que uma das presentes era companheira do falecido, com quem vivia há sete anos. Ela sabia pouco sobre ele, pois o conhecera às margens de uma estrada, quando ele ainda era “um andarilho”.
Segundo a companheira, o “desconhecido” faleceu em casa após receber alta do Hospital Regional. Apenas a mulher e duas vizinhas acompanharam o corpo, que não pôde ser sepultado devido à falta de identificação e de autorização judicial. A causa da morte também era desconhecida. Os funcionários, com receio de repreensão policial, recusaram-se a realizar o sepultamento.
Contudo, o motorista da ambulância declarou que foi chamado por um representante da prefeitura, que havia solicitado que o corpo fosse levado para sepultamento até que a documentação fosse providenciada. Horas depois, um funcionário da prefeitura apresentou os documentos, confirmando que o falecido era um “indigente” e que, por isso, deveria ser enterrado.
“Como vão dizer que ele é indigente se ele morreu ontem?”, questionou o repórter. O representante da administração municipal informou que a liberação da prefeitura autorizava o enterro e que a documentação também contava com a aprovação de outras autoridades competentes, como juiz e promotor, que antes de autorizar o sepultamento, apuraram informações sobre a companheira e o indivíduo.
Mas o que esse registro revela sobre a sociedade teixeirense da época? Da minha perspectiva, o Estado, por meio de seus representantes municipais e federais, promoveu o silenciamento da existência de um cidadão que estava à margem da dinâmica formal do trabalho, negando-lhe direitos durante a vida por meio de uma ordem discursiva oficial.
O programa de TV seguiu a mesma lógica ao não divulgar o nome das mulheres envolvidas, que lutaram até o fim pelo direito a um sepultamento digno para o seu conhecido indigente "descohecido."
Daniel Rocha da Silva*
Historiador graduado e Pós-graduando em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.
Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com
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Foto : Vídeo da reportagem
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