Lembrança das ações de Verônika Lind




Por Daniel Rocha

Na década de 1970, o sul da Bahia, viu-se mergulhado em um turbilhão de mudanças, desencadeado pela chegada avassaladora da exploração da madeira e da disseminação da cultura do eucalipto. Estas transformações tumultuaram não apenas a paisagem física da região, mas também a estrutura social e econômica, desencadeando uma disputa feroz pela terra e pelos recursos naturais.

Nesse contexto de agitação e desafios, as mulheres encontraram-se em uma posição especialmente vulnerável. Frequentemente marginalizadas e desprovidas de poder de decisão, enfrentaram uma luta árdua para garantir sua sobrevivência e dignidade em meio ao caos provocado pela expansão  do desmatamento desenfreado da indústria madeireira e da ação criminosa de  grileiros de terras que contava com a anuência  do estado.

Foi neste momento de incerteza e diversidade que em 1972 chegou à região a missionária a da pastoral austríaca Verônika Lind (25/03/1934 – 16/01/07), uma mulher dotada de uma consciência aguda de sua missão para com suas semelhantes trazendo com si não apenas sua fé religiosa, mas também um compromisso  extremo com a promoção da justiça social e a defesa dos mais vulneráveis.

Como uma figura proeminente dentro das bases eclesiais de base da Igreja Católica, Verônika Lind, que mais tarde assumiu o centro de educação de sua diocese, dedicou-se incansavelmente a capacitar mulheres das comunidades rurais, especialmente no município de Itanhém, onde junto ao padre José Koopmans, fundou o Centro de Assistência Social de Itanhém,  que logo se tornou um bastião de esperança e solidariedade em meio ao tumulto da região auxiliando as pequenas comunidades na luta contra a tuberculose e doenças causadas por vermes.

Mas a influência de Veronika não se limitou apenas às fronteiras da cidade de Itanhém,  como já dito, sua ação transformadora também chegou a outras partes da região como em Teixeira de Freitas, Santa Cruz Cabrália, Itamaraju, Prado e Alcobaça.

Em Teixeira de Freitas, em 1977, ela mergulhou de cabeça no trabalho pastoral da equipe diocesana, visitando famílias em dificuldades de saúde e educação, atendendo mulheres que não tinham acesso a informações e educação, nos bairros São Lourenço e Vila Vargas, onde também organizou grupos de mulheres e trabalhou ao lado das irmãs d católicas Jorgete e Irmã Terezinha, que auxiliavam as mulheres gestantes fazendo o pré-natal e  no parto.

Amparada por um grupo de  outras tantas  mulheres,  das diversas paróquias locais,   também  desenvolveu um trabalho de orientação e proteção das mulheres trabalhadoras do sexo da rua Mauá, orientando-as também sobre como enfrentar coletivamente os desafios que lhes eram impostos pelo ambiente e profissão.

Além disso, contribuiu para a criação da Reserva Pataxó da Jaqueira demonstra compromisso com a proteção dos direitos dos povos originários, em meio a uma paisagem cada vez mais dominada pela ganância e destruição na região elevada ao patamar de destino turístico.

Para além disso, Verônika  esteve  ativamente na luta pela terra e pela justiça na região onde prestou assistência às mulheres sem terra, organizando a assistência solidária  nos acampamentos orientando a formação de grupos de luta e apoio.

Por fim, deixou também sua marca na organização dos principais sindicatos na região contribuindo com a organização dos sindicatos dos Trabalhadores Rurais, dos Trabalhadores da Construção Civil e dos Trabalhadores em Educação, fazendo parte, ainda, da criação da Associação dos Professores do Extremo Sul da Bahia, que mais tarde se tornou o Sindicato dos Professores do Extremo Sul da Bahia – SINTESBA, proporcionando uma voz poderosa para aqueles que há muito tempo eram marginalizados e explorados.

Todo este esforço corajoso não só lhe rendeu  belas homenagens em vida, mas também continuou a inspirar reverência e reconhecimento mesmo após sua partida. Em 8 de abril de 1992, por exemplo,  Veronika Lind foi reconhecida por seu trabalho incansável e sua dedicação às causas sociais.

Em um evento solene na Câmara Municipal de Itamaraju, realizado pelo MST, ela  recebeu uma réplica do “Prêmio Nobel Alternativo”, em reconhecimento ao seu papel fundamental na construção do movimento de luta pela terra na região. Em suas palavras humildes, ela dedicou o prêmio aos verdadeiros heróis da luta, os trabalhadores e as trabalhadoras: “ se tem alguém que merece esse prêmio, são vocês, trabalhadores.”

Em 2015, o então prefeito do município de Teixeira de Freitas, João Bosco (PT), seguindo  uma indicação da então vereadora Erlita Freitas (PT), inaugurou o Centro de Apoio e Acolhimento da Mulher-CRAM, que foi batizado com o nome da missionária católica de olhar sensível às causas sociais e das mulheres, em diferentes épocas da história da região  do extremo sul baiano.

Assim, nesta semana, enquanto celebramos o Dia Internacional da Mulher, é essencial lembrar e homenagear figuras como Veronika Lind, e todas as outras a sua volta, cujos feitos muitas vezes permanecem nas sombras da história. Para que sua coragem, compaixão e compromisso com a justiça social continuem a inspirar-nos a reconhecer e valorizar não apenas as figuras proeminentes, mas também aquelas cujos esforços muitas vezes passam despercebidos em todos os espaços populares da sociedade.

Daniel Rocha da Silva*

Historiador graduado  e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.

Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com

O conteúdo  deste Site não pode ser copiado, reproduzido, publicado no todo ou em partes por outros sites, jornais e revistas sem a  expressa autorização do autor. Facebook.



Fontes: 


"Ein neues Volk wird dich preisen" eine brasilianische Basisgemeinde entsteht. Por Joop Koopmans, Uwe Bolius · 1987


HOOIJ, Frei Elias. Os desbravadores do Extremo sul da Bahia. História da presença franciscana nesta região – Raízes e frutos, Belo Horizonte


MST, honra seus aliados. Jornal Sem terra. Abril/1992.


Centro de referência vai homenagear veronika Lin. Sulbahianews


Nenhum comentário:

Pesquisar este blog

Click e Veja