😎 E os nerds da quebrada?

 



Por Daniel Rocha

Teve uma época em que ser CDF — ou “nerd”, como os gringos chamavam — era tipo carimbar na testa: “Atenção, esquisitão à vista”. Era ser o excluído da turma, o que preferia um livro a uma pelada, um RPG a uma festa, um filme cult a um churrasco com cerveja quente. 

Ser nerd era quase como ser de outro planeta. Isso lá nos anos 1990 e começo dos 2000, quando ninguém ainda tinha descoberto que dava pra ganhar uma grana preta em cima da cultura nerd.

Naquela época, gostar de estudar era quase um ato de rebeldia. O nerd era o cara que sabia tudo sobre ciência, mitologia, universos paralelos e ainda dava uma força em matemática pra galera da sala. Era fã de *Star Trek*, sabia todas as sagas de *Dragon Ball*, decorava as falas de *O Senhor dos Anéis* e ouvia bandas que ninguém nunca tinha ouvido falar. 

Mas, em vez de te acharem o máximo, te chamavam de “cabeçudo”, “anti-social” ou “doido por livro”. Ser nerd não era cool, era xingamento. Mas, ao mesmo tempo, era um refúgio: entre os seus, você era rei.

E aí tinha os nerds da quebrada. Esses nem sempre eram reconhecidos como nerds, porque, vamos combinar, colecionar quadrinhos, ter videogame ou ir ao cinema toda semana era coisa de gente com dinheiro.

Mas eles davam um jeito. Xerocava livros, RPG, juntavam moedas para alugar fita VHS, pegavam revistas com algum tema interessante “emprestadas” no cabeleireiro e até faziam esquema com o porteiro do cinema pra entrar de graça. 

Aproveitava o final da aula para extrair alguma informação do professor. Às vezes, jogavam futebol só pra manter a moral com a galera que podia ajudar a descolar um gibi ou um DVD ou pegar o game emprestado para avançar uma fase do jogo que parou na Lan House.

Esses nerds da periferia eram os mais criativos. Não tinham tudo de mão beijada, então inventavam, improvisavam, compartilhavam. A escassez virava criatividade, a exclusão virava resistência. E assim, eles foram construindo um jeito próprio de ser nerd, que não dependia de grana, mas de paixão e parceria.

Só que o jogo virou. Hoje, ser nerd não é mais motivo de zoação, é status. Virou grife. Agora, qualquer um que assiste uns filmes de super-herói e se veste como o cara da série já se acha nerd. Tem gente discutindo Marvel em conversa de bar como se fosse tese de doutorado. O termo “CDF” sumiu, e o que antes era motivo de exclusão virou até estratégia de marketing.

A grande ironia? Aquilo que era um refúgio para quem pensava fora da caixa virou produto de massa. A cultura nerd foi domesticada, empacotada e vendida. Mas, no meio disso, algo importante se perdeu: a fome por conhecimento, o prazer de aprender, a paixão pela leitura. 

Hoje, ser nerd não tem nada a ver com virar a noite lendo um livro gigante de fantasia ou estudando física teórica por diversão, ou transformar o quarto em um QG dos conheciementos restritos. Tem a ver com saber de cor o calendário de lançamentos da Marvel.

E os nerds da quebrada? Continuam lá, na luta. Mas agora, além de enfrentar as dificuldades de sempre, ainda precisam ver sua identidade sendo apropriada por uma indústria que só pensa em lucro. Eles seguem se virando, como sempre fizeram. Mas agora num mundo onde ser nerd deixou de ser resistência para virar moda e até meio de sobrevivência.

E aí fica a pergunta: o que significa ser nerd hoje? Ainda existe espaço para quem vê a cultura nerd como refúgio, como forma de se conectar com o conhecimento? Ou será que a essência do nerd — o cara que estuda, que cria, que questiona — se perdeu no caminho? Na quebrada, é um pouco disso tudo: cultura, consumo, identidade e também uma escolha mais segura.

No final das contas, os nerds de verdade, aqueles que vivem pela curiosidade e não pelo hype, continuam firmes. Porque ser nerd nunca foi sobre o que você compra, mas sobre o que você é. E isso, meu amigo, nem o capitalismo consegue vender.


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