A Madrugada Antes da Segunda

 




Por Daniel Rocha

Dizem por aí que segunda-feira é o dia internacional do atestado. A crença popular circula de boca em boca: é nesse dia que os postos de saúde ficam lotados, que os prontos-socorros parecem terminais rodoviários e os hospitais recebem uma verdadeira romaria de gente atrás de um papel carimbado que justifique a ausência no trabalho.

A explicação, muitos afirmam com convicção, é simples: o sujeito bebeu demais no fim de semana, não dormiu direito, fez farra até o sol nascer e agora quer um tempinho a mais para se recuperar do próprio exagero. Ou, ainda, o fim de semana foi curto demais para dar conta do corpo, da casa, da vida , e o organismo cobra o preço na manhã de segunda.

Mas nem sempre é assim.Conversando com profissionais da saúde, especialmente os que atuam nas Unidades Básicas, a gente descobre que a história vai muito além da ressaca ou da preguiça. Há um vilão silencioso, que cresce no escuro: a ansiedade.

Sim, a ansiedade do domingo à noite, aquele aperto no peito que começa lá pelo Fantástico e vai crescendo à medida que o relógio avança. A noite — ah, a noite! — tem esse dom de distorcer tudo: aumenta as dores, amplia os medos, acelera a pressão, bagunça a glicose, faz a enxaqueca pulsar como tambor e coloca a mente em alerta total. A semana nem começou, mas o corpo já está cansado.

Há quem durma bem. Eu, por exemplo, costumo dormir direitinho. Mas quando acordo no meio da noite, sinto na pele o que muitos vivem toda madrugada: os pensamentos que vêm de madrugada têm um peso diferente. Eles misturam o que a gente viveu no dia anterior com o que ainda vai viver — e aí o sono some, como se tivesse tirado folga também.

Nessas horas, músicas calmas, orações sussurradas no YouTube e exercícios de respiração são aliados fiéis. E quando tudo isso falha, ainda há os estoicos — sim, os filósofos. Um deles dizia: “Se está fora do seu controle, não perca o seu sono com isso”. Fácil de dizer. Difícil é convencer o corpo.




Talvez esse incômodo que lota postos de saúde às segundas feiras não seja apenas individual — talvez seja coletivo. E o recente interesse no debate sobre o projeto de lei que institui a escala 06×02, onde se trabalha por seis dias e folga dois, tão comentado nas redes sociais, pode ser o reflexo disso: o povo está dizendo, ainda que sem palavras, que precisa respirar. Que precisa viver, e não apenas produzir.

Porque ninguém liga uma máquina sem energia. E ninguém sustenta uma nação com trabalhadores esgotados. A saúde não é só ausência de doença. É também presença de dignidade.

Então, da próxima vez que ouvir alguém dizer que “segunda é dia de atestado”, pense duas vezes. Talvez seja apenas o dia em que a gente se lembra que também é humano.

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