Engana-se quem acredita ser uma ilha
Por Daniel Rocha
“Não é da sua conta.” – “Problema é meu.” Clássicos. Daqueles que a gente lança como quem ergue um muro em volta de um jardim secreto. A gente fala com a firmeza de quem sabe onde pisa, como se tivesse certeza de que aquele terreno , a mente, o coração, a escolha , fosse propriedade privada, com cerca elétrica e tudo. Mas será mesmo?
Quantas vezes, ao dizer “problema é meu”, a gente já tinha deixado o problema escorregar pro colo de alguém? Já tinha chorado no ombro de um amigo, já tinha deixado um olhar pesar num silêncio que só queria dizer: “me entenda, mesmo sem eu pedir”. Nós nos enganamos quando acreditamos ser ilhas. Não somos. Nunca fomos.
Tem gente que acha que o outro só entra na nossa vida quando a gente abre a porta. Ingênuo. O outro entra por rachadura, por sonho, por cheiro, por palavra atravessada na fila do banco. E quando menos se espera, ele tá lá: influenciando a escolha, moldando opinião, acendendo ou apagando desejos.
Há sempre um estranho morando dentro da gente, um que às vezes fala mais alto que a nossa própria consciência. Pode ser a voz do pai, o gesto da mãe, a dor do amigo, o medo da infância. Pode ser tudo o que nos invadiu sem pedir licença e ficou.
E aí, quando a gente jura que está decidindo por si mesmo, talvez esteja apenas obedecendo ao eco de um outro que se enraizou no nosso ser. Gostamos de acreditar que somos senhores de nós mesmos. Mas, sejamos honestos, quantas decisões tomamos que, no fundo, no fundo, eram tentativas de agradar alguém, de se encaixar, de ser aceito?
A verdade é que o outro não apenas age em nós , ele nos constrói. Nos empurra pra frente, nos trava, nos faz duvidar, nos faz escrever crônicas como esta. E talvez seja nisso que more a beleza da coisa toda: não sermos inteiros, mas misturados. Não sermos donos, mas habitantes.
Então da próxima vez que alguém disser “não é da sua conta”, respeite, claro. Mas saiba: você já está lá dentro. Talvez tenha sido você que provocou o caos. Ou a poesia. Porque o “eu” — sinto muito — nunca veio sozinho.
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