Proverbear é uma forma de traduzir o cotidiano
Por Daniel Rocha
Sempre gostei de provérbios. São como pequenas pedras de sabedoria espalhadas pelo caminho, lembrando que a filosofia não nasceu apenas nas academias gregas, mas também nas cozinhas, igrejas, nas feiras e nos botecos. Proverbear é uma forma de traduzir o cotidiano em sentenças breves, afiadas, que cabem em qualquer bolso da memória.
Recordo-me de um senhor que conheci certa vez. Contava, entre risos e um certo orgulho, a primeira vez em que tentou conquistar a mulher que viria a ser sua esposa. A investida foi recebida com um provérbio que soou como uma porta fechada:
— O santo que não conheço, não rezo nem ofereço.
Um “fora” clássico, vestido de sabedoria popular. E, no entanto, por trás da negativa, estava uma verdade universal: ninguém se entrega a quem não conhece. O tempo, paciente como é, tratou de transformar aquele primeiro tropeço em uma longa caminhada a dois. O casamento veio, mas a lição ficou, amar alguém exige convívio, assim como rezar exige fé.
É preciso olhar de perto, conviver, observar os gestos que se repetem, os silêncios que falam mais que palavras. Descobrir alguém é como folhear um livro antigo: quanto mais páginas viramos, mais percebemos que a história é infinita, que nunca chegamos ao último capítulo.
No fim das contas, entender a vida de alguém é como a investigação do repórter em Cidadão Kane, correndo atrás do mistério de Rosebud. É também como encontrar uma carta dentro de uma garrafa lançada ao mar: o enigma está lá, mas nunca inteiro. Afinal, como já se diz, ninguém vive isolado, ninguém é uma ilha.
Sempre sobra uma fresta de mistério, um detalhe que escapa, uma frase murmurada que nos deixa a dúvida: quem é essa pessoa, de verdade? Talvez a resposta nunca chegue completa.
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