A “Represa do Jacarandá”

Por Daniel Rocha

Poucos moradores de Teixeira de Freitas sabem que o nome do bairro Recanto do Lago nasceu de uma represa e não de um lago natural. A antiga Represa do Córrego Charqueada, mais conhecida como Represa do Jacarandá, existiu entre o início da década de 1970 e o começo dos anos 1990, quando foi destruída.

Localizada no vale atrás do Clube Jacarandá, o local foi, durante duas décadas, palco de tragédias, encontros e lembranças que moldaram parte da memória urbana e social da cidade, esse relato foi contada aqui no site no ano de 2019.

Segundo o antigo proprietário das terras, Walfrido de Freitas Corrêa, a represa foi construída logo após ele vender parte de sua fazenda, nas proximidades do futuro clube. O nome “Jacarandá” veio justamente dessa associação. 

Documentos da CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), de 1974, indicam que o Córrego Charqueada chegou a ser estudado como possível fonte de abastecimento de água para o então povoado de Teixeira de Freitas. Embora o relatório não cite diretamente a represa, é provável que ela tenha surgido no contexto dessas pesquisas.

Durante cerca de 21 anos, o reservatório foi um espaço de convivência popular. Com acesso livre, servia a trabalhadores, donas de casa e jovens que buscavam lazer, banho, pesca ou um simples mergulho nas tardes quentes.

 O lugar, contudo, ganhou fama de perigoso. A combinação de profundidade e correnteza transformou a represa em cenário de muitos afogamentos — o que gerava temor entre pais e professores, já que alunos de escolas próximas costumavam faltar às aulas para se divertir ali.


Imagem original da represa

O morador Gilberto Bandeirante relembra que o local também era frequentado por pessoas de “má índole” e ficou conhecido como ponto de desova de corpos de vítimas de pistoleiros que atuavam na região. Esses relatos se tornaram parte de um imaginário sombrio, reforçado pela violência e pelos mistérios que cercavam a cidade naquele período.

A demolição da represa, em 1991, teria sido motivada por um conjunto de fatores — entre eles, o afogamento de um jovem conhecido e o medo coletivo de novas tragédias. Segundo Sebastião Justiniano, o rompimento foi provocado manualmente por um grupo de moradores, que abriu uma fenda na barragem com picaretas, permitindo o escoamento das águas. Sebastião contesta as histórias sobre ossadas humanas encontradas no local, afirmando ter visto apenas fios, pedras e restos de madeira.

Mas há quem diga que o esvaziamento da represa ocorreu em meio às buscas pelo corpo do radialista Ivan Rocha, desaparecido em 1991 após denunciar na Rádio Alvorada um suposto “sindicato do crime” com ligações políticas. 

Seu corpo nunca foi encontrado, e o caso, amplamente comentado, alimentou as versões de que a represa teria sido aberta justamente durante as buscas — uma hipótese que reforçou o elo entre o crime e o destino da barragem.

Walfrido Corrêa também registrou outro episódio trágico, em tom de “causo”. Segundo ele, o rompimento da represa levou a morte de uma lavadeira que trabalhava nas margens do Córrego Charqueada, próximo ao bairro São José.


Imagem restaurada por AI

Para encontrar o corpo, a família teria recorrido a uma simpatia antiga: colocar uma cuia com uma vela acesa nas águas, que indicaria o ponto onde o corpo estava preso. E, conforme o relato, a vela se deteve exatamente onde a vítima foi localizada.

Entre lembranças e contradições, o fato é que a Represa do Jacarandá deixou marcas profundas na história local. Mais que um reservatório de água, foi um espelho das tensões sociais, dos dramas humanos e das transformações de uma cidade em crescimento. 

Seu nome, eternizado no bairro Recanto do Lago, guarda a memória de um tempo em que o perigo, o lazer e o mistério se encontravam nas margens de um mesmo córrego.

Fontes:

ROCHA FILHO, Carlos Armando. Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira. Recursos Hídricos. Rio de Janeiro: CEPLAC, 1976.

Câmara dos Deputados. Relatório Final da CPI da Pistolagem. Brasília: CEDI, 1994.

BARREIRA, César. Crimes por Encomenda: Violência e Pistolagem no Cenário Brasileiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998

Fontes orais:

Relatos de Walfrido Corrêa, colhidos por Domingos Cajueiro Correia, setembro de 2019.

Conversas informais com Gilberto Bandeirante (julho de 2019) e Sebastião Justiniano (junho de 2019).

Foto: Acervo


Daniel Rocha da Silva

Historiador graduado e pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.

Contato: WhatsApp (73) 99811-8769 | E-mail: samuithi@hotmail.com


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