COMO ERA A “MALHAÇÃO DE JUDAS” EM TEIXEIRA DE FREITAS?








Por Daniel Rocha

O Sábado de Aleluia, celebrado entre a Semana Santa e o Domingo de Páscoa, é uma data marcada pela lembrança da ressurreição de Jesus e da traição de Judas Iscariotes. De acordo com a tradição católica, é comum a prática de queimar bonecos que representam Judas. Em Teixeira de Freitas, entre as décadas de 1960, 1970 e 1980, essa brincadeira era realizada em diversos bairros da cidade.

Moradores relatam que, durante essas décadas, a encenação foi adaptada de diferentes formas em locais como os bairros Wilson Brito, Teixeirinha e Vila Vargas. Maria de Fátima Leite, de 55 anos, nascida em Águas Formosas, MG, lembra que, ao se mudar para Teixeira de Freitas em 1969, um morador conhecido como Paulo realizava, na madrugada do Sábado de Aleluia, a queima de um boneco que representava Judas, próximo à Avenida Castelo Branco, no bairro Wilson Brito.

Segundo Maria de Fátima, o boneco era feito de madeira, como uma cruz, e vestia uma mortalha preenchida com pólvora e palha, parecendo um espantalho. Ela destaca que a iniciativa era do próprio morador, sem ajuda da comunidade, mas que, mesmo assim, muitas pessoas compareciam à encenação, que começava por volta das três horas da manhã, com uma multidão vaiando e apedrejando o boneco.

A moradora também relembra que, naquela época, o povoado de Teixeira de Freitas ainda não tinha energia elétrica, o que tornava a escuridão da madrugada um elemento especial no ritual. Ela acredita que muitos dos participantes eram pessoas que haviam recentemente deixado a zona rural, mantendo seus costumes através de cânticos e palavras de ordem durante a queima do boneco.

Ricardina Maria, de 54 anos, nascida na zona rural de Nova Viçosa, também lembra do ritual, embora seu pai não a deixasse participar, por ela ser muito jovem. Ela conta que o boneco era arrastado pelo bairro em um jegue e, em algumas ocasiões, deixado na porta de um morador, enquanto cantigas faziam referência ao dono da casa. Um exemplo disso era a rima: "Esse Judas não come farinha, vai pra casa de seu Farias."

Ricardina descreve que o boneco era feito nos moldes do bairro Wilson Brito e a queima era um evento muito esperado por moradores nativos e migrantes. Embora o povoado de Teixeira de Freitas ainda fosse dividido entre os municípios de Alcobaça e Caravelas, essa tradição era mantida e lembrada de maneiras diferentes ao longo dos anos.

Já Elcilande Ferreira, nascido em Pinheiros (ES), que chegou a Teixeira de Freitas em 1978, relembra a participação na organização da queima de Judas no bairro Vila Vargas, no final da década de 1980. No bairro, a queima acontecia na Rua Aurelino J. de Oliveira, com a confecção do boneco a partir de roupas velhas doadas pelos vizinhos. Após ser preenchido com jornais, o boneco era colocado em uma carroça e arrastado pelas ruas até a sua "sentença final."

Para Elcilande, a encenação não era vista como um ritual religioso, mas como uma brincadeira tradicional. A queima acontecia no final da tarde e atraía grande público. Ele também menciona que, na época, havia relatos de uma queima similar no bairro São Lourenço, evento que Flaviana Santos também testemunhou na segunda metade dos anos 1980.

Flaviana lembra que, antes da queima, o boneco era exposto na Rua da Feira, onde os moradores passavam para ver e zombar da figura. No dia seguinte, pela manhã, começava o ritual de apedrejamento e agressões ao boneco, antes que ele fosse finalmente incendiado. Flaviana comenta que a encenação era bastante violenta, o que assustava muitas crianças, já que o boneco tinha uma aparência muito humana.

Ela também acredita que a tradição começou a desaparecer na década de 1990, quando o boneco de Judas passou a ser associado a figuras políticas, como em outras regiões do país.

Em uma análise preliminar, é possível afirmar que essa manifestação cumpria seu papel de recordar a traição de Judas e a ressurreição de Jesus. A comunidade assimilava essa mensagem, adaptando o rito às suas necessidades e tradições locais.

Daniel Rocha da Silva*
Historiador graduado  e Pós-graduando em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.
Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com
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Fontes Orais
Conversa informal com
Flaviana Santos               Dezembro de 2015
Elcilandi Ferreira .          Dezembro de 2015
Maria de Fátima Leite   Maio de 2016
Ricardina Maria.             Maio de 2016


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