Por Daniel Rocha
A cozinha de Teixeira de Freitas -Bahia, apesar de pouco explorada, é marcada pela rica diversidade que reflete influências da cultura negra, indígena, portuguesa e, mais recentemente, da culinária mineira e capixaba. O que chama atenção são os pratos antigos, com ingredientes e nomes peculiares, como paçoca de tanajura, bambá, caruru de veado, araruta, quiabo com farinha e feijão de coco, além de uma grande variedade de bebidas tradicionais.
Em 1976, a Revista Veja publicou a reportagem "Atrás do Homem", que abordava os impactos das formigas saúvas nas plantações e obras públicas. Na matéria, destacava-se a tanajura — forma alada da saúva — como um ingrediente apreciado no sul da Bahia:
"Refogada com cebola e pimenta-do-reino, a tanajura é um ingrediente essencial na preparação de uma certa farofa, largamente consumida no interior brasileiro, sobretudo no norte de Minas Gerais e sul da Bahia."
Curioso com essa descrição, iniciei uma pesquisa para ouvir relatos de moradores antigos da cidade e entender mais sobre a história desse prato típico. A primeira pessoa com quem conversei foi Sílvia Souza, que vive há mais de 30 anos em Teixeira de Freitas. Apesar de nunca ter provado a iguaria, ela relembra a popularidade da farofa de tanajura durante sua infância.
"Eu nasci em 1961 e até os 10 anos vi muita gente falar que comia. Dizem que colocavam na panela sem gordura porque a bunda dela já tinha. Eu nunca comi, mas sei que não era por necessidade; as pessoas não viam maldade nisso, era só um hábito."
Outro morador, Valdívio Matos, de 63 anos, conta que a tanajura fazia parte de sua infância em Medeiros Neto. Quando chegou a Teixeira de Freitas, nos anos 1970, o costume já estava em declínio. Sobre a associação entre o consumo de tanajuras e a pobreza, ele foi enfático: "As pessoas comiam porque era hábito. Eu mesmo comia misturada na paçoca, era uma delícia."
Já Isidro Nascimento, de 87 anos, ofereceu um relato mais detalhado e nostálgico. Nascido em Alcobaça e criado em comunidades rurais, ele relembra os rituais de caça às tanajuras na década de 1930:
"A molecada cantava: ‘Cai, cai tanajura, na panela da gordura!’ E elas caiam aos montes no chão. Não era só as crianças que gostavam; os adultos também comiam."
Segundo Isidro, o prato era especialmente apreciado durante os períodos de chuva. Entretanto, ele afirma que, a partir da década de 1970, o hábito começou a desaparecer: "Hoje em dia, não tem mais. Antes dava para encher a panela, agora elas quase não aparecem."
O declínio do consumo de tanajuras parece estar ligado à escassez do inseto. Conforme a reportagem da Veja, na década de 1970 havia cerca de 300 milhões de sauveiros no Brasil, mas as mudanças ambientais, como o desmatamento e o controle mais rigoroso de pragas, reduziram drasticamente essa população.
Curiosamente, a mesma reportagem indicava que o avanço das cidades poderia, paradoxalmente, favorecer a proliferação das saúvas em áreas urbanizadas, devido à ausência de predadores naturais. No entanto, o impacto das mudanças culturais e econômicas parece ter prevalecido, afastando esse ingrediente da mesa teixeirense.
Por fim, o causo da farofa de tanajura é um exemplo fascinante de como os hábitos alimentares evoluem com o tempo, influenciados por fatores como urbanização, globalização e transformação cultural. Hoje, a ideia de consumir tanajuras pode parecer exótica ou até mesmo inviável, mas, no passado, era uma prática comum e cheia de significado para a comunidade local.
Que tal investigar mais sobre os pratos típicos da região e refletir sobre como a modernidade transformou o que colocamos à mesa? Afinal, cada sabor do passado conta uma história que merece ser rememorada.
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