Por Daniel Rocha
Outro dia, vi um cara sentado no banco da praça tomando um café e fazendo careta. “Esse café é horrível, não é do meu gosto”, resmungou. E logo emendou aquele papo de sempre: “A vida é feita de escolhas, né?” Eu fiquei ali pensando: será mesmo? Ou será que a vida é o que vem antes de a gente poder escolher qualquer coisa?
Essa frase me cutucou: a existência vem antes dos gostos. Parece coisa de filósofo metido, mas na verdade, tem tudo a ver com a vida da gente. Ninguém nasce gostando de moqueca ou de rock. A gente primeiro nasce. E só depois, com o tempo, vai aprendendo o que gosta ou não.
Antes de dizer que prefere doce a salgado, que gosta de filme de ação e odeia novela, curte ou não curte, o a pessoa já estava vivendo, sentindo, tropeçando, convivendo. O gosto é como uma roupa que a gente vai vestindo ao longo da caminhada, não algo que já vem pronto com a gente.
É como dizia o filósofo francês, Sartre: a existência vem antes da essência. Traduzindo: primeiro a gente aparece no mundo, do nada, sem manual. Depois é que vai se descobrindo, se construindo, se inventando. E nesse processo, o que a gente gosta — ou acha que gosta — vai nascendo junto.
Pensa num menino criado no sertão, ouvindo forró desde o berço. Ele vai ter um gosto diferente de quem cresceu na cidade ouvindo MPB ou rap. E não é que um gosto é melhor que o outro, é só que a vida que cada um viveu é diferente. O gosto é só um reflexo disso.
Então, quando alguém diz “nossa, que gosto ruim!”, talvez fosse melhor perguntar: “que tipo de vida essa pessoa viveu pra gostar disso?” Gosto é de rastro. É a marca de onde a gente passou, de quem a gente amou, do que a gente sofreu.
E o cara do café ruim? Continuou ali, reclamando do gosto, mas vivendo. Porque no fundo, antes do gosto, vem isso aí que a gente às vezes esquece de agradecer: o simples fato de estar vivo.
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