Por Daniel Rocha
No decorrer do século 19, a navegação marítima representava o epicentro das viagens e da circulação de pessoas e mercadorias por todo o mundo. O cenário não era diferente no extremo sul da Bahia, onde na rotina do dia - dia do balanço instável do mar, atos de solidariedade e tragédias repercutiam com seus heróis e mensagens de solidariedade.
Importa lembrar que a navegação não se dava apenas pelo mar, na região então, cortada por rios navegáveis que ligavam o interior ao oceano, o movimentado fluxo marítimo gerava uma agitada rotina de embarques e desembarques de diversas embarcações ,de todos os tamanhos e modelos, em um indo e vindo infinito nos principais portos, Caravelas, Viçosa e Mucuri.
Nestes, as paradas eram indispensáveis e comumente estas embarcações enfrentavam intempéries repetidas que tornavam qualquer viagem ou passeio um transtorno de amedrontar qualquer experiente marinheiro dados aquela rotina.
Porém alguns compromissados homens do mar sempre auxiliavam ,em qualquer momento de dificuldades, quem por distração ou dificuldade viessem a sucumbir ao mau humor do mar. Um relato referente a um ocorrido em Nova Viçosa, na época apenas “Viçosa”, datado do dia 17 de junho de 1880, por exemplo, ilustra bem essa afirmativa.
Segundo o relato, transmitido através de uma mensagem telegrafada, por volta das 11 horas da noite daquele ano 1880, as águas turbulentas do porto de Nova Viçosa testemunharam um evento perigoso de tirar o fôlego.
Conforme o registro, o comandante do vapor "Gastão de Orleans", o Sr. Vigna, ao se aproximar de Nova Viço pelo mar, se deparou com o fenômeno medonho e angustiante, uma canoa que seguia para a foz de um rio foi engolida pelas correntezas impiedosas do mar.
A canoa que seguia com três pessoas rio abaixo, que certamente ali iam perder a vida se não fossem os “prontos socorros” ordenados pelo comandante do vapor Gastão Orleans, o Sr. Vigna, e teve a sorte de ser vista pela tripulação do vapor que se aproximava do porto.
No momento, ciente dos riscos, o comandante ordenou sua tripulação a encarar os riscos para salvar os náufragos. Tripulação que não hesitou em socorrer os náufragos da canoa apesar dos riscos se lançando nas águas traiçoeiras do mar para trazer às vítimas segurança da embarcação “Gastão de Orleans.”
Entre os sobreviventes socorridos, destaca o relato, estava o Sr. Bernardino José da Cunha, um respeitado e rico fazendeiro da Vila de Alcobaça que teve a vida salva pelos trabalhadores do mar e o valoroso comandante cujo feito repercutiu por toda região costeira do estado.
Prova disso é que o periódico de Salvador, "Diário de Notícias da Bahia", publicou no mês seguinte o fato enaltecendo o comandante e seus marinheiros: “Atos destes basta registrá-los para honrar aqueles que os praticaram", frisou.
Assim, esse testemunho vivo do espírito humanitário passado, que permeou as águas da Bahia naquele período marcante da história marítima é um lembrete de que, mesmo nas condições mais desafiadoras, a generosidade pode prevalecer, deixando um legado que ecoa através dos séculos.
Sob outra perspectiva, esse evento marítimo nos recorda que em tempos de adversidades para os trabalhadores do mar, a divulgação desse ato de solidariedade pode ser interpretada como uma resposta à exploração sistêmica e desenfreada da época onde trabalhadores livres e escravizados não contavam direitos sociais. Época em que o amparo mútuo era um valor que se fazia necessário.
Daniel Rocha da Silva*
Historiador graduado e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.
Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com
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