A culinária de Teixeira de Freitas, como a história de sua gente, é marcada pela diversidade e pela transformação. Se hoje a gastronomia local reflete a mistura das tradições mineira e capixaba, no passado ela tinha na Mata Atlântica sua maior fonte de inspiração. Frutas, raízes e ervas compunham um cardápio que conversava com o bioma que cobria a região antes do avanço das cidades e da agroindústria.
A urbanização acelerada e a devastação da floresta, impulsionadas nas décadas de 1960 e 1970, alteraram não apenas a paisagem, mas também os hábitos alimentares dos moradores do então povoado de Teixeira de Freitas e de suas comunidades rurais. Produtos outrora abundantes desapareceram, e, com eles, pratos que carregavam o sabor de uma época.
Em 2014, o colunista Edinho Engel, em uma série de artigos para o jornal A Tarde, destacou a riqueza cultural da cozinha baiana, marcada pela influência dos três grandes biomas do estado: o atlântico, a chapada e a caatinga. Engel argumentava que a diversidade de ingredientes regionais dava à Bahia um cardápio praticamente infinito. No Extremo Sul, a Mata Atlântica, ainda intacta até os anos 1960, era a grande despensa natural.
Entre tantas iguarias que desapareceram das mesas dos antigos teixeirenses, a araruta (Maranta arundinacea) é um exemplo emblemático. Essa planta, cuja raiz produzia uma fécula branca, era essencial na dieta das comunidades rurais e das cidades banhadas pelo rio Itanhém. O mingau de araruta, em particular, era um alimento básico para recém-nascidos e crianças.
Maria José da Silva, de 70 anos, lembra com saudade: “Era parte da nossa alimentação, nunca faltava. Não havia maisena como hoje; usávamos o que a mata dava”. A raiz da araruta era lavada, ralada e deixada de molho para extrair a goma, que, além do mingau, também era usada para fazer biscoitos e bolos.
Segundo Jorge Silveira, o engenheiro agrônomo da EBDA, a araruta, considerada uma cultura milenar genuinamente brasileira, está em vias de extinção. Apesar disso, ainda há quem mantenha viva essa tradição.
Já a moradora Raquel Rodrigues, antiga moradora do bairro São José, cultiva o hábito de preparar biscoitos e mingau com a raiz fatamente fornecida pelo filho Ezequiel, que a planta em um sítio no distrito de Juerana, em Caravelas. Rose Neves, nora de Raquel, lamentou em uma conversa informal sobre que poucos conheçam essa riqueza: “É uma riqueza desprezada”.
Por fim, a culinária de raiz, com seus sabores únicos, sobrevive na memória dos mais antigos. Para Henrique Carneiro, em Comida e Sociedade: uma história da alimentação, “a alimentação revela a estrutura da vida cotidiana, do seu núcleo mais íntimo ao mais compartilhado”. Assim, as receitas de vovós e bisavós guardam não apenas os segredos de pratos esquecidos, mas também fragmentos da história de uma região.
Daniel Rocha da Silva*
Historiador graduado e Pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.
Contato WhatsApp: ( 73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com
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