Salvador 1919: a gripe espanhola e a greve

 





Por Daniel Rocha  

Na noite de 21 de maio de 1915, o soteropolitano Miguel Ferreira dos Santos, trabalhador nas Docas do Wilson, em Salvador, capital da Bahia, foi esfaqueado traiçoeiramente por Joaquim Soares, depois de beber em uma taverna no bairro Baixa de Quinta. Antes de deixar o local, o agressor declarou que atacou a vítima porque era muito parecido com um antigo desafeto seu. 

Conforme o jornal, depois de ser navalhado a vítima foi socorrida e transportada para o Hospital Santa Isabel, que atendia a população mais pobre. Ao dar entrada na Santa Casa o esfaqueado foi atendido pelos plantonistas Dr. Canna Brasil, o acadêmico Raul Godinho e o enfermeiro Carlos Martins que empregaram técnicas médicas para salvá-lo.  

 Segundo destacou o periódico, o paciente chegou com roupas e trapos em “estado de imundície,” e que devido a gravidade foi necessário fazer aplicação de injeções cardiotônicas e realizar “uma lavagem das vísceras com soro fisiológico quente e suturas da parede abdominal.”   

Não foi encontrado nenhum relato ou notícias em outras edições do jornal sobre a recuperação do mesmo ou prisão do agressor, contudo interessa dizer que ao dar destaque ao atentado com direito a descrição dos procedimentos médicos o jornal informou nas entrelinhas aspectos do contexto social e político daquela época pós-abolição e proclamação da república. 

 Conforme a análise desses e outros textos do jornal e de trabalhos sobre o período, é possível afirmar  preliminarmente que o periódico, porta voz de seus leitores, potencializava o discurso de que os espaços populares eram lugares de contravenções, sem problematizar o fato que não havia na cidade uma política  voltada para o combate à fome, o desemprego, falta de saneamento e habitação direcionadas para os bairros cada dia mais inchados commoradores que antes habitavam casarões, cortiços e pensões localizadas no centro da cidade. 

 Bairros que aglomerou boa parte dos desalojados pela reforma urbana que vinha sendo promovida pelo governador José Joaquim Seabra, o   J. J. Seabra, que queria transformar Salvador em uma capital moderna e desenvolvida conforme o desejo da elite baiana que sonhava com uma cidade “urbe e civilizada”, com negros e mulatos expulsos para fora do centro. Política segregaria que criou uma bomba relógio social que explodiu três anos depois com a chegada da gripe espanhola na capital e nos guetos. 

A incontrolável gripe gerou uma grande crise imobiliária, desabastecimento, fome e desemprego. Com a pandemia, muitos desses trabalhadores expulsos do centro vinham sendo vítimas fáceis da gripe e não satisfeitos com a postura negacionista do sucessor de Seabra, o governador Ferrão Moniz de Aragão, que no início insistiu que a situação não era tão terrível como a imprensa mostrava, deflagraram em junho de 1919,  uma  grande greve geral. 

Diversos segmentos e ramos aderiram à greve, os trabalhadores pararam por melhores salários e contra a exploração dos empregadores, também lesados pela crise, que queria transferir para os empregados os prejuízos que vinham se acumulado com a pandemia, obrigando-os a trabalhar por mais horas sem a devida remuneração.  

 A greve paralisou os serviços, a produção e circulação de mercadorias da capital até o recôncavo e obrigou o governo e empresários a repensar políticas e posturas em relação aos trabalhadores tidos como sujeitos desclassificados “perigosos e semelhantes”.  

Fontes:  

DIAS. Adriana Albert. A malandragem da Mandinga: O cotidiano dos capoeiras em Salvador na República Velha. (1910-1925). Salvador, Bahia. 2004.  

DULLES. John W. Foster Dulles. Anarquistas e Comunistas no Brasil.  

SOUZA. Christiane Maria cruz. A ceifa da gripe espanhola entre os trabalhadores pobres e os miseráveis da Bahia (1918-1919). Disponível em:  

https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/view/74869/44548

RAMOS. Cleidiana. A TARDE. Memória: Pandemia no passado e no presente. 17/10/20.  Disponível em:    

https://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/2142507-a-tarde-memoria-pandemia-no-passado-e-no-presente

Daniel Rocha da Silva* 

Historiador graduado e Pós-graduando em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X. 

Contato WhatsApp: (73) 99811-8769 e-mail: samuithi@hotmail.com 

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Foto: Carlos Barbosa Bugia

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