Por Daniel Rocha
Reza a lenda que, numa noite de lua cheia, às margens de um ribeiro tranquilo no interior da região do Mucuri, um jovem indígena foi atraído por um canto misterioso, uma melodia suave e cristalina, como se a própria mata estivesse sussurrando segredos antigos.
Seguindo aquele som encantado, o jovem encontrou uma visão celestial: uma mulher indígena de beleza sobrenatural, ajoelhada, em oração ao deus Rudá.
Rudá, segundo a mitologia dos povos tupi-guarani, maxakali, pataxó e outros habitantes ancestrais da região, é o deus do amor, o espírito que rege os afetos, os vínculos, os sonhos e os sentimentos mais profundos da alma.
Ele não se manifesta com trovões ou ventanias, mas nas emoções intensas e silenciosas, nos encontros, nas ausências, nos olhares e gestos que entrelaçam corações.
Para esses povos, Rudá não era adorado em templos, mas reverenciado nas histórias contadas à beira do fogo, nas canções em suas línguas originárias e nos pequenos atos de carinho e cuidado com os outros e com a terra.
De acordo com a lenda do surgimento do Mucuri, a moça misteriosa a rezar suplicava a Rudá pelo seu destino. Mas antes que o jovem pudesse se aproximar e satisfazer seu encantamento, um ruído cortou o silêncio da floresta, e uma espessa neblina desceu sobre o ribeiro.
Quando o véu da névoa enfim se dissipou, a linda moça havia desaparecido. No lugar onde estava, ficaram apenas pedras verdes e brilhantes, reluzentes como esmeraldas, o último sinal de sua presença no lugar tomado pela mata, pedras e montanhas.
Consumido pela dor do que poderia ter sido e nascido, o jovem chorou sem descanso. Suas lágrimas abundantes caíram com tamanha força sobre a terra que fizeram o regato estremecer, crescer e, lentamente, transformar-se num rio caudaloso e profundo: o Mokuriñ, como o chamavam os tupinambás, o Mucuri, como conhecem hoje os mapas.
Esse rio, que nasce nas serras do Espinhaço, nas Minas Gerais, e atravessa vales e matas até desaguar no Atlântico, no extremo sul da Bahia ,lugar que, para muitos, marca onde a Bahia começa, guarda em suas águas a memória de um encontro lendário interrompido pelas forças mágicas da mitologia nativa, e de um amor que nem o tempo conseguiu apagar.
Assim, mais do que um mito de origem, essa lenda revela a profunda ligação entre sentimento e paisagem na visão de mundo dos povos originários da região entre Minas, Bahia e Espírito Santo.
Dessa forma, o Rio Mucuri não é só um traço no relevo, é testemunha de uma história sensível, moldada por emoções que sobrevivem ao esquecimento. Porque, às vezes, o que realmente desenha o mundo ao nosso redor não é o que os olhos alcançam, mas aquilo que o coração guarda em silêncio.
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