Por Daniel Rocha
Nos anos 1990, a maior cidade do extremo sul baiano já exibia o brilho do progresso e a sombra da exclusão. Em cada esquina, um contraste. Em cada calçada, uma ausência que muitos preferiam não enxergar.Em fevereiro de 1999, um crime brutal abalou a população. Dois homens em situação de rua, identificados como Jacinto e Joselito, morreram após serem incendiados enquanto dormiam próximos ao muro de um posto de gasolina.
O caso, investigado pela delegacia local, gerou forte comoção entre os que tomaram conhecimento do fato. As vítimas, segundo relatos publicados pelo jornal Tribuna da Imprensa, haviam chegado recentemente ao município e que sobreviviam catando papelão com a ajuda de um carrinho de mão.
Na noite do ataque, um homem ainda não identificado se aproximou, jogou combustível sobre os dois e ateou fogo.
Segundo o periódico, ambos foram socorridos com vida e encaminhados ao Hospital Municipal de Teixeira de Freitas (HMTF), o “Regional”. Mas não resistiram às queimaduras, que cobriam mais da metade de seus corpos. Morreram poucos dias depois, deixando a cidade em estado de choque diante da crueldade do crime.
Ainda de acordo com o jornal, a polícia ouviu o depoimento de Adilton Souza, um trabalhador informal que afirmou ter presenciado o ataque:
“O biscateiro Adilton Souza procurou a delegacia para informar que testemunhou o crime e se achava capaz de identificar o assassino que, segundo ele, vendia bugigangas por aí: ‘se eu o vir de novo, conheço’.”
Apesar da declaração, o autor do crime nunca foi identificado, e não há registros de sua prisão. O relato desse assassinato expõe as contradições de um município em expansão.
O progresso econômico e populacional convivia com a ausência de políticas públicas estruturantes, especialmente no campo da assistência social, que apenas começava a se organizar, por meio de iniciativas como a municipalização da saúde e outros serviços implementados durante o primeiro governo do prefeito Wagner Mendonça (1997–2000), além das ações de solidariedade promovidas por lideranças religiosas, como o trabalho social realizado pelo Padre Aparecido.
Sem abrigo, sem proteção e sem assistência, Jacinto e Joselito tornaram-se alvos fáceis de uma violência que, embora extrema, ainda é comum para quem vive à margem e exposto à indiferença.
Mais de duas décadas depois, em abril deste ano, outro episódio de mesma natureza revela a persistência da negligência: dois homens em situação de rua foram atropelados e mortos enquanto dormiam na calçada, diante de uma agência do Banco do Brasil, na avenida Getúlio Vargas, bairro Recanto do Lago.
Casos distantes no tempo, mas idênticos em estrutura: ausência de abrigos, escassez de financiamento para a rede de acolhimento, desvalorização dos profissionais da assistência social e políticas públicas ineficientes, na maior cidade do Extremo Sul da Bahia.
Daniel Rocha – Historiador graduado e pós-graduado em História, Cultura e Sociedade pela UNEB-X.
WhatsApp: (73) 99811-8769
E-mail: samuithi@hotmail.com
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Fonte:
Tribuna da Imprensa, edição de 23 de fevereiro de 1999.
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