Relatos sobre os anos 1950 em Teixeira de Freitas: O principiante Comércio dos Pretos



Por Daniel Rocha

A cidade de Teixeira de Freitas foi fundada por comerciantes negros, as margens da estrada de rodagem da Eleosípio Cunha, aberta para exploração da madeira no início da década de 1950. Negros  que já praticavam o comércio  no território tido como isolado e de difícil acesso.

No período a Fazenda Cascata, subordinada a Alcobaça, uma das mais importantes da região, vivenciava "o auge da produção de cacau" que uma década antes havia substituído a produção em grande escala de café, após a crise de 1930, se tornando uma das principais atividades da economia  da região.

Supostamente a mudança permitiu aos sulistas baianos contar com ajuda do instituto do Cacau, criado na era Vargas, e com isso promover a penetração do interior do território com a abertura de estradas que facilitam o acesso ao porto de Caravelas e E.F Bahia e Minas que minimiza a dependência dos moradores do comércio da sede.

Neste contexto que no interior dos municípios de Alcobaça e Caravelas começa a exploração mais intensa de madeira  pela empresa Eleosíbio Cunha , subsidiada pelo poder público, que  ao abrir estradas de rodagem possibilita o surgimento do pequeno “Comércios dos Pretos” em torno da qual anos depois um principiante povoado cresceu.

Os primeiros a enxergar o potencial comercial da estrada foram os moradores das comunidades rurais próximas como Volta Miúda e da Faz. Nova América que já comercializa variados produtos às margens do rio Itanhém. Comerciantes afrodescendentes que levaria  até o final da década o povoado ser chamado pela alcunha “Comércio dos  Pretos” ou “Comercinho dos Preto”

Na fazenda Nova América ,por exemplo,  já existia  a venda de Anthímio de Freitas Correia, morador que "vendia de um tudo”, revela o caixeiro da venda Jair Freitas Correia, filho do proprietário, que também  afirma  ter sido  a venda do pai, tal como uma que existia na da Fazenda Cascata,  uma referência para  os moradores das proximidades durante  toda a década de 1940.

Ainda conforme relatou o senhor Jair, o comércio era movimentado e para manter a loja abastecida o pai tinha que ir rotineiramente até Alcobaça, pelo Rio Itanhém, para renovar o estoque do comércio que atendia a vizinhança com produtos adquiridos na sede alcobacense.

Detalhando o caminho da mercadoria até a fazenda narrou que no porto de Alcobaça ele, o pai,  encontrava representantes comerciais vindos da capital Salvador para encomendar tecidos e “roupas de marcas famosas” como o “Franco companhia de tecido”, “Gabriel José da Rocha” e “Tecidos Cordas”, entre outros, ou para renovar pedidos rotineiros.

De acordo com um levantamento realizado pelo colaborador Domingos Cajueiro Correia, junto aos moradores mais antigos, antes da formação do comércio as vendas existentes nas principais fazendas da região, além dos tecidos de marca, também comercializavam produtos essenciais para as comunidades rurais da redondezas, como “querosene, machado, enxadão, foice, chumbo, pólvora e  arreios para animais”.

Reforçou Jair que a venda do pai comercializou esses e outros produtos entre às décadas de 1940 até o início da década de 1960, período em que Manoel de Etelvina abriu a primeira barraca às margens da estrada de rodagem da Eleosíbio Cunha, hoje centro da cidade, e “mudou a direção do comércio” que vinha se desenvolvendo às margens do rio  e nas principais fazendas ribeirinhas nas primeiras décadas do século XX.

Sobre a abertura da estrada, em entrevista à Revista Regional Sul, em  02 de fevereiro de 1992, o senhor Servídio do Nascimento Correia (em memória) irmão de Antimio, informou que de fato a abertura da estrada no início da década de 1950 pela “Eleusbio Cunha” foi a mola propulsora que levou a formação do comércio que facilitou a vida dos moradores da zona rural carentes de abastecimentos de industrializados.

Que de fato o primeiro núcleo comercial onde se desenvolveu o comércio foi iniciado pelo pioneiro Manoel de Etelvina, afrodescendente, que abriu a primeira barraca às margens da estrada  que atraiu também o interesse de comerciantes próximos, o embrião que deu origem ao povoado de Teixeira de Freitas. Povoado que cresceu ainda mais com a chegada de novos moradores nas décadas seguintes quando  a exploração da madeira alcançou outras proporções. Sobre a chegada desses novos moradores relatou  também na revista Servídio do Nascimento Correia: 

"E foi chegando mais gente, e nós fizemos a primeira capelinha. Pois, quando se criava um comércio, fazia logo uma capelinha, na praça dos leões, para o povo rezar. E todo sábado eu ia lá dar catecismo para as crianças." 

Conforme entrevista concedida ao Jornal Alerta em 2009,  na mesma perspectiva, mas acrescentando  novos detalhes, Isael de Freitas Correa (em memória), irmão de Antimio e na época produtor e comerciante de carne suína na região, o povoado começou a tomar forma a partir de 1953 quando chegaram das redondezas comerciantes como Dona Madalena, que abriu uma pequena casa de pensão, possivelmente, para hospedar os novos chegantes  no povoado iniciado por Manoel de Etelvina.

Convém destacar que para além desses comerciantes pioneiros citados, também arriscaram a sorte abrindo suas vendas no então Comercio  dos Pretos pessoas que  não eram do ramo, como Arnaldo Santos, proprietário da Fazenda Água limpa, hoje parte do bairro Wilson Brito e centro da cidade, que estalou na movimentada margem da estrada uma venda comercial, conforme fez lembrar em uma conversa informal em 2013.

De acordo com seu ponto de vista, o  que levou o comércio a prosperar foi a oferta de produtos inexistentes no lugar como, por exemplo, “remédio para picada de cobra,” antes inacessíveis nas redondezas daquela então distante zona rural.

Embora sem estatísticas oficiais, estima-se que na década seguinte, 1960, agropecuaristas, migrantes mineiros, capixabas e de outras cidades do estado, fixaram moradia no “Comércio dos Pretos” contribuindo de alguma forma para o crescimento urbano e econômico do povoado oficialmente denominado “Teixeira de Freitas”, uma homenagem prestada em 1957, ao baiano considerado o pai da estatística Brasileira.

Fontes e Referências bibliográficas
HOOIJ, Frei Elias. Os desbravadores do Extremo sul da Bahia, Belo Horizonte, 2011.
FERREIRA,Susana. A vida privada de negros pioneiros no povoamento de Teixeira de Freitas na década de 1960. Uneb campus-x. Teixeira de Freitas BA, 2010.
BANCO DO NORDESTE, As origens. Teixeira de Freitas, Fortaleza – Ceará. P.05-07, Janeiro 1986
Jornal Alerta.Especial de aniversário: 29 anos de Teixeira de Freitas. 2014.
Revista Regional Sul. Teixeira de Freitas – Bahia P.11.Março de 1992.
Fontes Orais
Conversa informal com Jair Nascimento em Fevereiro de 2016.
Conversa informal com Arnaldo Santos em 2014.
Domingos Cajueiro Correia 2016.
Foto : Teixeira de Freitas 1967. Local desconhecido. Acervo Departamento de Cultura de Teixeira de Freitas.
Daniel Rocha
Historiador, Bacharel em Serviço Social, Pós-Graduado em Educação à Distância (EAD), Cinéfilo e blogueiro criador do blog Tirabanha em 2010.
E-mail: tirabanha@tirabanha.com.br ou samuithi@hotmail.com
Contatos WhatsApp: (73) 998118769
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